quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Palpite

Quando os homens se afastarem das estrelas, tudo estará perdido. As estrelas contêm todo romantismo e todo amor à lógica de que uma pessoa necessita. E sim, o amor à lógica é absolutamente necessário - romantismo é consequência -. É necessário que se tenha como grande paixão, não apenas o conhecer, por simples curiosidade, mas também pela descoberta da relação entre todos os conhecimentos obtidos. Isso é requisito inalienável ao sábio, mas também o é ao eudaimono. Tal paixão é a que menos limita as condições necessárias para que nos vejamos - não apenas por um instante - felizes.

Apaixonamo-nos, isso é inevitável. Qualquer que nos seja um alvo de grande desejo, entretanto, dará a nós a certeza de que nos prenderemos a determinadas condições para que nos satisfaçamos plenamente. Se pusermos, por exemplo, como tal alvo, ouvir certo tipo de música, já não será todo tipo de música que nos trará agrado. "Mente aberta" não é admitir que outros ouçam; é aproveitar acaso acabe ouvindo. Vivemos por nossos desejos, condicionamos nossas vidas a eles, mas raramente lhes somos fiéis, embora ao menos nisso tenhamos razão. Sonhos, cedo ou tarde, decepcionam, tornam-se desinteressantes ou, então, tornam-se reais e vêm, prévia ou postumamente, acompanhados de sacrifícios cuja validade pode ser facilmente questionada.

Tudo é desejável; tudo tem beleza suficiente para atrair nosso fascínio, mas escolhemos duas ou três, dentre um infinito de possibilidades, e direcionamos nossas vidas inteiras(não temporalmente, mas em intensidade) em direção a estas. Não nos satisfazemos enquanto não acertamos nossos alvos, sem dar-nos conta de que, ao errá-los, acertamos outros, aos quais com razão muita gente daria valor.

Ao termos experiências, preferimos umas a outras coisas e perseguimos aquelas em lugar destas, o que acarreta os problemas já mencionados. O amor à lógica é a chave para que, sem que se faça necessário entrar em qualquer espécie de transe meditativo, amemos a vida em sua completude, não apenas a parte(s) dela. Eis o verdadeiro amor ao conhecimento, pelo entendimento, não por sua utilidade, seja na realização de tarefas, na política ou no simples exibicionismo intelectual. É um amor que não nos priva, jamais, de ter outros amores, outras paixões, mas que é constantemente satisfeito, tanto por nossas conquistas quanto por nossas derrotas; é um amor que nos permite ver a beleza que há em tudo, mas que usualmente percebemos em pouco.

Ao nascermos, e até certo período, desejamos fortemente entender a vastidão da loucura que nos cerca e que nos surpreende a todo instante. Entretanto, descobrimos com o tempo prazeres mais fáceis, mais imediatos, e nos contentamos com o parco entendimento que logo todos somos capazes de obter para nos voltarmos a tais prazeres. É nesse momento que passamos a desejar o conhecimento, como um meio, e não o entendimento, como um fim, e que as estrelas já não passam de enfeites num céu de fúteis angústias.

Quando chegamos a nos satisfazer com o conhecimento adquirido até então e nos convencemos de que o que fazemos deve, de fato, ser feito, tornamo-nos estúpidos. No entanto, quando nenhuma explicação basta e quando pomos em dúvida qualquer ato, estamos admitindo nossa ignorância; estamos voltando à infância; à humildade e à ingenuidade da infância, onde tudo nos fascinava por conter algum mistério, uma mínima dúvida que fosse. Desse modo, o entendimento do mundo deixa de ser um mero instrumento para suprir as necessidades as quais tanto reinventamos para tornar-se o único bem no mundo pelo qual realmente vale a pena se esforçar para obter.

Sábio, entretanto, não é aquele que nada faz por não ter certeza sobre coisa alguma; é aquele que tem a certeza de que, em tudo que fizer ou em que lhe for feito, encontrará aquilo que procura.



Aberto a discussões!

3 comentários:

  1. "No entanto, quando nenhuma explicação basta e quando pomos em dúvida qualquer ato, estamos admitindo nossa ignorância; estamos voltando à infância; à humildade e à ingenuidade da infância, onde tudo nos fascinava por conter algum mistério, uma mínima dúvida que fosse."

    Todavia é isso que faz as crianças 'crescerem', se desenvolverem, é a dúvida, o mistério, a sede por compreender; e é isso que faz a humanidade de desenvolver, que nos faz refletir e crer em novas possibilidades, e por consequente buscar-las.
    Essa é, se for possível, uma ignorância boa.

    Parabéns pelas reflexões. Abraço.

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  2. Justamente, a melhor ignorância é a ignorância aceita.

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  3. "Ao nascermos, e até certo período, desejamos fortemente entender a vastidão da loucura que nos cerca e que nos surpreende a todo instante. Entretanto, descobrimos com o tempo prazeres mais fáceis, mais imediatos, e nos contentamos com o parco entendimento que logo todos somos capazes de obter para nos voltarmos a tais prazeres. É nesse momento que passamos a desejar o conhecimento, como um meio, e não o entendimento, como um fim, e que as estrelas já não passam de enfeites num céu de fúteis angústias."

    Gostei muito ;]

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