segunda-feira, 12 de março de 2012

Bom apetite!

O discurso é um vômito. Quando alguém discursa, nada além do terrível fedor de uma inacabada digestão de ideias nos é apresentado. Alimentamos nosso espírito com o conhecimento advindo da prática, da experiência, e digerimos nosso alimento nas entranhas da lógica. Já bastam as palavras que precisamos dizer para nos comunicarmos, para classificar as “partes” do mundo; são nossas excretas mentais, tão necessárias – infelizmente – quanto as fisiológicas. O discurso é um vômito, uma excreta desnecessária e sintomática de quem passa mal.

Há dois tipos de discurso, ou de vômito: o primeiro é o melhor, sem dúvida. É aquele cujo arroto nos remete ao alimento, ali mal digerido, quando em seu mais doce frescor, logo antes de ser degustado. É o vômito de quem comeu comida, para ser mais claro. Mas ainda melhores são os discursos de quem comeu um prato rico, cheio de todos os nutrientes imprescindíveis ao bom funcionamento do organismo e que, portanto, é um indivíduo saudável. Bom vômito mesmo é um vômito saudável! É raro, claro, já que pessoas que se alimentam correta e temperantemente raramente passam mal a ponto de vomitar, mas acontece. Porém este vômito, o de quem comeu comida, é apenas o primeiro tipo. Há o segundo...

O segundo tipo de vômito, infelizmente o mais comum, é o vômito dos desnutridos, dos raquíticos e dos anêmicos. Eis o tipo mais preocupante! É um vômito xoxo, ainda mais fétido, mais sujo e mais desagradável que um vômito qualquer, pois é vômito de outro vômito. Entenda: há pessoas famintas no mundo; pessoas que, de tão ocupadas com seus insignificantes interesses inventados, acabam por esquecer-se do próprio alimento. É assim que começa: pessoas deste tipo, dignas de misericórdia, ao ouvirem um discurso, dão-se conta do vazio em seus estômagos e põem-se imediatamente a devorarem o que outros doentes vomitam. Maravilhados com o sabor(o único que já conheceram) e temporariamente saciados pelo volume de porcaria em seus estômagos, os famintos se veem viciados. Passam a devorar vômito após vômito; em pouco tempo, já estão elegendo vômitos de boa ou de má qualidade, inclusive tornando-se consumidores vorazes de um ou de outro tipo de vômito. Há – acredite se quiser – até mesmo aqueles que escolhem apenas uma pessoa de cujo vômito desejam alimentar-se. Logo em seguida, os antes famintos e agora doentes põem-se a lançar às ruas seus próprios vômitos, estes do segundo tipo, o mais terrivelmente fétido e pobre em nutrientes.

Felizmente, entretanto, não somente aqueles que sempre se alimentaram corretamente se salvam em meio a esse mar de ruminantes. Alguns doentes, viciados em vômito, dão-se por conta de que algo lhes falta em matéria de alimento, e de que talvez por isso não consigam nunca nutrir-se completamente. É a partir de então que eles começam a analisar melhor os vômitos de que sempre se alimentaram e buscam, finalmente, os alimentos frescos que os compunham. Logo percebem ser muito mais trabalhoso montar, todos os dias, um prato com todos os nutrientes necessários a uma boa alimentação. Percebem ser necessários paciência pela colheita, tolerância para com a eventual escassez e parcimônia, para não voltarem a passar mal. Ainda assim, jamais lhes restará dúvida de que vale a pena. E desse modo, começam a tornar-se pessoas mais saudáveis, ainda que passem mal, vez que outra, e acabem vomitando um pouco, de novo, em razão de algum deslize.

E os vômitos, ou – se os chamarmos pelo nome com o qual foram sacramentados pelos doentes – os livros, também têm o seu valor. Analisando-os friamente, sem devorá-los, por mais que por vezes cheirem bem, podemos descobrir de que modo os antigos sábios que os vomitaram costumavam se alimentar. Não é uma tarefa prazerosa em si como seria pegar um livro e simplesmente devorá-lo, mas é, certamente, recompensadora a médio e a longo prazo.

Aos que bem se alimentam e bem se nutrem, ouso aconselhar: assim como escolher os alimentos certos para comer é mais difícil, mas melhor que comer vômito alheio, ensinar os doentes a comer bem é tarefa muito mais árdua, mas também mais eficiente do que vomitar. Bleh!!!